last breath


Boa tarde!!
Hoje vocês lerão mais um dos contos do livro Fantasmas do Século XX, do Joe Hill.
Para variar um pouco dos anteriores, esse é bem curtinho, então pode ler agora mesmo, rs.

O conto de hoje chama-se Último Suspiro, e o título realmente condiz com a estória: basicamente, é sobre um homem que coleciona o último suspiro das pessoas. Sabe em filmes quando fulano morre e faz aquele "ah" final? Então, é como se fosse algo do tipo, só que um pouquinho mais macabro hahaha
Eu gosto bastante desse, achei bem criativo e lembro que quando o li pela primeira vez, ao final, fiquei com aquela sensação esquisita que bons contos de suspense deixam.

Depois diz ai o que achou!

Créditos da imagem AQUI


ÚLTIMO SUSPIRO

Uma família entrou para dar uma olhada pouco antes do meio-dia; um homem, uma mulher e o filho. Eram os primeiros visitantes do dia — até onde Alinger sabia, seriam os únicos, pois o museu nunca ficava cheio —, e ele estava livre para levá-los para fazer um tour.

Encontrou-os no guarda-volumes. A mulher ainda estava com um dos pés nos degraus da frente, hesitando para entrar. Fitava o marido por cima da cabeça do filho, lançando-lhe um olhar de incerteza, inquieto. O marido lhe respondia franzindo o cenho. As mãos dele estavam na lapela do casaco forrado de pele de carneiro, mas ele parecia na dúvida se deveria tirá-lo ou não. Alinger já vira a mesma cena uma centena de vezes. Quando as pessoas entravam e viam, logo após o vestíbulo, a penumbra fúnebre do salão, vacilavam, imaginando se teriam ido parar no lugar certo, e começavam a pensar em dar meia-volta. Somente o menininho parecia à vontade, e já estava tirando a jaqueta e pendurando-a em um dos ganchos mais baixos da parede, feitos para crianças.


Antes que eles pudessem ir embora, Alinger pigarreou para chamar atenção. Ninguém tinha coragem de ir embora depois de ser visto; na batalha entre nervosismo e convenção social, a convenção social quase sempre vencia. Ele uniu as mãos e sorriu para os três, um sorriso reconfortante, paternal. O efeito, no entanto, foi justamente o contrário. Alinger tinha uma palidez cadavérica, 2,08m de altura, têmporas encovadas, fundas e escuras. Seus dentes (ainda naturais, aos 80 anos de idade) eram miúdos e cinzentos, e davam a desagradável impressão de terem sido lixados. O pai se retraiu um pouco. A mulher, inconscientemente, estendeu a mão para segurar a do filho.

— Bom dia. Sou o Dr. Alinger. Por favor, entrem.

— Ah... olá — disse o pai. — Desculpe incomodar.

— Não é incômodo nenhum. Estamos abertos.

— Estão, é? Que bom! — disse o homem, com um entusiasmo nada convincente. — Então o que nós... — Sua voz morreu e ele se calou, talvez por ter esquecido o que ia dizer, ou porque não sabia como formular a frase, ou então porque lhe faltava coragem.

Sua mulher tomou a frente.

— Soubemos que o senhor tem uma exposição aqui. Isto é algum tipo de museu de ciências?

Alinger tornou a lhes exibir o sorriso, e a pálpebra direita do pai começou a tremer descontroladamente.

— Ah. Vocês entenderam mal — disse Alinger. — Estavam esperando um museu da ciência. Isto aqui é o museu do silêncio.

— Ahn? — fez o pai.

A mãe arqueou as sobrancelhas.

— Acho que ainda estou entendendo mal.

— Vamos, mãe — disse o menino, soltando a mão dela. — Vamos, pai. Quero dar uma olhada. Quero ver.

— Por favor — disse Alinger, dando um passo para trás, gesticulando para o salão com a mão esquelética de dedos compridos. — Eu ficaria encantado em levar vocês para uma visita guiada.

As persianas estavam fechadas, de modo que o aposento, com suas paredes revestidas de painéis de mogno, era tão escuro quanto um teatro segundos antes de o pano se erguer para revelar a cena. As vitrines de exposição, porém, estavam iluminadas de cima por spots de luz cuidadosamente posicionados, montados em um nicho no teto. Sobre as mesas e pedestais havia o que pareciam ser jarros de vidro vazios, polidos até ficarem muito brilhantes, tão reluzentes que tornavam a escuridão ao seu redor ainda mais negra.

Em cada jarro havia uma espécie de estetoscópio, com o diafragma inserido dentro do vidro, colado com adesivo transparente. As escutas esperavam que alguém as pegasse para ouvir. O menino foi na frente, seguido pelos pais e depois por Alinger.

Pararam antes da primeira vitrine: um jarro em cima de um pedestal de mármore posicionado logo depois da entrada do salão, bem no meio do seu caminho.

— Não tem nada dentro — disse o menino. Olhou em volta, vasculhando todo o aposento, viu os outros jarros fechados. — Não tem nada dentro de nenhum deles.

Estão todos vazios.

— Ah — disse o pai, sem humor.

— Não completamente vazios — retrucou Alinger. — Cada vidro está fechado a vácuo, hermeticamente vedado. Cada um deles contém o último suspiro de alguém. Eu tenho a maior coleção de últimos suspiros do mundo, mais de 100. Algumas dessas garrafas contêm a derradeira expiração de gente muito famosa.

Então a mulher começou a rir; uma risada de verdade, não uma risada forçada. Levou uma das mãos à boca e soluçou, mas não conseguiu conter o som totalmente.

Alinger sorriu. Fazia anos que vinha mostrando a sua coleção. Estava acostumado com todo tipo de reação.

O menino, porém, havia se virado de volta para o jarro na sua frente, com os olhos fascinados. Pegou as escutas do aparelho que parecia um estetoscópio, mas não era.

— O que é isto? — perguntou.

— O mortoscópio — respondeu Alinger. — É muito sensível. Pode pôr, se quiser, e vai conseguir ouvir o último suspiro de William R. Sied.

— Ele é alguém famoso? — perguntou o menino. Alinger aquiesceu.

— Durante algum tempo, ele foi uma celebridade... daquele jeito que os criminosos às vezes ficam famosos. Alvo de ultraje e fascínio do público. Foi levado à cadeira elétrica 42 anos atrás. Eu mesmo emiti seu atestado de óbito. Ele tem lugar de honra no meu museu. Foi o primeiro último suspiro que eu registrei.

A essa altura, a mulher já havia se recuperado, embora ainda segurasse um lenço embolado junto aos lábios e desse a impressão de que estava fazendo um grande esforço para segurar um novo ataque de riso.

— O que foi que ele fez? — quis saber o menino.

— Ele estrangulava crianças — disse Alinger. — Guardava os corpos dentro de um freezer e os tirava lá de dentro de vez em quando para olhar. Eu sempre digo que as pessoas são capazes de colecionar qualquer coisa. — Ele se agachou até ficar na mesma altura do garoto e ficou olhando para o jarro junto com ele. — Pode escutar, se quiser.

O menino pegou as escutas e colocou-as nos ouvidos, com os olhos fixos, sem piscar, no recipiente que transbordava de luz. Escutou com atenção durante algum tempo, e então sua testa se franziu e ele fez uma careta.

— Não estou conseguindo ouvir nada. Começou a fazer o gesto de retirar as escutas. Alinger deteve sua mão.

— Espere. Existem muitos tipos diferentes de silêncio. O silêncio dentro de uma concha do mar. O silêncio depois de um tiro. O último suspiro dele ainda está aí dentro. Os seus ouvidos precisam de tempo para se acostumar. Daqui a pouco você vai conseguir escutar. O silêncio particular dele.

O menino inclinou a cabeça e fechou os olhos. Os adultos ficaram observando. Então seus olhos se arregalaram e ele olhou para cima, com o rosto rechonchudo brilhando de ansiedade.

— Ouviu? — perguntou Alinger. O menino retirou os fones.

— Parece um soluço, só que ao contrário! Sabe? Parece... Ele parou e soltou um arquejo curto, sem som. Alinger afagou seus cabelos e se levantou.

A mãe enxugou os olhos com o lenço.

— O senhor é médico?

— Aposentado.

— Não acha que isto aqui é pouco científico? Mesmo que o senhor tenha mesmo conseguido capturar o último vestígio de monóxido de carbono que alguém emitiu...

— Dióxido — corrigiu ele.

— Não haveria nenhum barulho. Não é possível engarrafar o som do último suspiro de alguém.

— Não — concordou Alinger. — Mas não se trata de engarrafar um som. Somente um certo silêncio. Nós todos temos nossos diferentes silêncios. O seu marido não tem um silêncio quando está contente e outro quando está zangado com a senhora, dona? Os seus ouvidos são capazes de distinguir entre tipos diferentes de nada.

Ela não gostou de ser chamada de dona, apertou os olhos para ele e abriu a boca para dizer alguma coisa desagradável, mas seu marido falou primeiro, proporcionando a Alinger um motivo para dar as costas a ela. O marido havia se aproximado de um jarro em cima de uma mesa junto à parede, ao lado de uma namoradeira escura, estofada.

— Como é que o senhor recolhe esses suspiros?

— Com um aspirador. Uma pequena bomba que suga a exalação de uma pessoa para dentro de um recipiente a vácuo. Carrego essa bomba sempre comigo dentro da minha maleta de médico, por garantia. É um aparelho que eu mesmo inventei, embora existam equipamentos semelhantes desde o início do século xix.

— Aqui está escrito Poe — disse o pai, passando o dedo por um cartão cor de marfim em pé sobre a mesa em frente ao jarro.

— Sim — disse Alinger. Ele tossiu, encabulado. — As pessoas vêm colecionando últimos suspiros desde que foram inventados aparelhos para tornar possível esse hobby. Eu reconheço que paguei 12 mil dólares por esse daí. Quem me ofereceu foi o bisneto do médico que o viu morrer.

A mulher recomeçou a rir. Paciente, Alinger prosseguiu.

— Pode parecer muito dinheiro, mas, acreditem, foi uma pechincha. Em Paris, Scrimm recentemente pagou três vezes isso pelo último suspiro de Enrico Caruso. O pai mexeu no mortoscópio preso ao jarro onde estava escrito Poe.

— Alguns silêncios parecem reverberar de sentimento — disse Alinger. — Quase se pode senti-los tentando articular uma idéia. Muitos dos que escutam o último suspiro de Poe começam em pouco tempo a sentir uma única palavra não sendo dita, a expressão de um desejo muito específico. Escute e veja se também consegue perceber isso.

O pai se curvou e pôs as escutas.

— Isso é ridículo — disse a mulher. O pai ouviu com atenção. O filho chegou bem perto dele, apertando-se com força contra sua perna.

— Posso escutar, pai? — perguntou o menino. — Posso escutar um pouco?

— Shh — fez o pai.

Ficaram todos em silêncio, com exceção da mulher, que sussurrava consigo mesma em um tom de assombro aflito.

— Uísque — articulou o pai com um movimento quase impercetível dos lábios.

— Vire o cartão onde está o nome dele — disse Alinger.

O pai virou o cartão cor de marfim onde estava escrito POE em um dos lados. Do outro lado estava escrito UÍSQUE. Retirou as escutas, com uma expressão solene no rosto, e os olhos baixados para o jarro com respeito.

— Claro. O alcoolismo. Pobre homem. Sabem... eu decorei O corvo quando estava na quinta série — disse o pai. — E recitei o poema na frente de toda a turma sem errar.

— Ah, por favor — disse a mulher. — É um truque. Provavelmente tem um alto-falante escondido embaixo do jarro, e quando você presta atenção ouve a gravação de alguém sussurrando uísque.

— Eu não ouvi nenhum sussurro — disse o pai. — O que eu tive foi um pensamento... como a voz de alguém dentro da minha cabeça... quanta decepção...

— O volume está baixo — disse ela. — É tudo subliminar. Igual ao que fazem no cinema. O menino colocou as escutas para não-escutar a mesma coisa que o pai havia não-escutado.

— Todos os suspiros que o senhor tem aqui são de pessoas famosas? — perguntou o pai. Seu rosto estava pálido, mas levemente manchado com pontinhos de rubor vermelho em suas bochechas, como se ele estivesse febril.

— De forma alguma — disse Alinger. — Eu já engarrafei últimos suspiros de universitários, funcionários públicos, críticos literários... uma profusão de gente sem importância. Um dos mais belos silêncios da minha coleção é o último suspiro de um zelador.

— Carrie Mayfield — disse a mulher, lendo um cartão em frente a um jarro alto e empoeirado. — Ela é uma das suas pessoas sem importância? Aposto que é uma dona-de-casa.

— Não — respondeu Alinger. — Ainda não tenho donas-de-casa na minha coleção. Carrie Mayfield foi uma jovem Miss Flórida, belíssima, que estava a caminho de Nova York com os pais e o noivo para posar para a capa de uma revista feminina.

Sua grande chance. Só que o avião onde eles estavam caiu no Parque Nacional de Everglades. Muitas pessoas morreram, foi um acidente famoso. Mas Carrie sobreviveu. Por algum tempo. Para fugir dos escombros, ela nadou em combustível fervendo, e mais de 80% do seu corpo ficou queimado. Ela perdeu a voz de tanto gritar por socorro. Durou pouco mais de uma semana na UTI. Nessa ocasião eu era professor e levei meus alunos do curso de medicina para visitá-la, a título de curiosidade. Na época, era raro ver ainda vivo alguém que tivesse sido queimado assim. De forma tão completa. Partes do corpo dela se fundiram com outras partes. Felizmente eu tinha levado meu aspirador, já que ela morreu enquanto estávamos ali examinando-a.

— Essa é a coisa mais horrível que eu já ouvi na minha vida — disse a mulher.

— E os pais dela? E o noivo?

— Morreram no acidente. Morreram queimados na frente dela. Não tenho certeza se os corpos deles foram encontrados. Os jacarés...

— Eu não acredito no senhor. Em nenhuma palavra. Não acredito em nada em relação a este lugar. E não me importo de dizer que é um jeito ridículo de tirar dinheiro das pessoas.

— Ora, querida — disse o marido.

— A senhora talvez se lembre de que eu não lhes cobrei entrada — disse Alinger. — É uma mostra gratuita.

— Ei, pai, olhe aqui! — chamou o menino do outro lado da sala, lendo um nome em um cartão. — É o cara que escreveu James e o pêssego gigante!

Alinger virou-se para ele, pronto para apresentar o item em questão, quando viu a mulher se movendo. Tornou a se virar para ela.

— Eu escutaria um dos outros primeiro — disse Alinger. Ela estava levando as escutas aos ouvidos. — Algumas pessoas não gostam muito daquilo que não-escutam no jarro de Carrie Mayfield.

Ela o ignorou, colocou o aparelho e ficou ouvindo, com os lábios franzidos. Alinger uniu as mãos e se inclinou na direção dela, observando sua expressão. Então, sem aviso, ela deu um passo rápido para trás. Ainda estava com as escutas nos ouvidos. O movimento abrupto arrastou o jarro a uma curta distância por cima do tampo da mesa, o que deixou Alinger assustado. Ele estendeu as mãos depressa para evitar que o vidro caísse no chão. A mulher retirou as escutas, subitamente atrapalhada.

— Roadl Dahl — disse o pai, pousando a mão no ombro do filho e admirando o jarro que o menino acabara de descobrir. — Está de brincadeira! O senhor gostava mesmo das personalidades literárias, hein?

— Não estou gostando deste lugar — disse a mulher. Os olhos dela estavam fora de foco. Ela encarava fixamente o jarro que continha o último suspiro de Carrie Mayfield, mas sem vê-lo. Engoliu com dificuldade, levando uma das mãos à garganta.

— Querida? — disse o marido. Atravessou a sala até onde ela estava, com uma expressão preocupada. — Você quer ir embora? Mas a gente acabou de chegar.

— Estou pouco ligando — disse ela. — Quero ir embora.

— Ah, mãe — reclamou o menino.

— Espero que assinem o meu livro de visitas — falou Alinger, seguindo-os até o guarda-volumes.

O pai se mostrava solícito, tocando o cotovelo da mulher, fitando-a com olhos úmidos, preocupados.

— Você poderia esperar sozinha no carro, então? Tom e eu queríamos dar mais uma olhada.

— Eu quero sair daqui imediatamente — insistiu ela com a voz vazia, distante.

— Todos nós devemos sair.

O pai ajudou-a a vestir o casaco. O menino enfiou os punhos cerrados no bolso da calça e, emburrado, deu um chute em uma maleta de médico velha e surrada pousada ao lado do porta-chapéus. Então percebeu o que estava chutando. Agachou-se e, sem a menor vergonha, destrancou a maleta para examinar o aspirador.

A mulher calçou as luvas de pelica com grande cuidado, esticando-as bem em torno dos dedos. Parecia muito entretida com os próprios pensamentos, então foi uma surpresa quando ela de repente despertou, virou-se e cravou os olhos em Alinger.

— O senhor é desprezível — disse ela. — Parece uma espécie de ladrão de túmulos. Alinger uniu as mãos na frente do corpo e olhou para ela com empatia. Fazia anos que vinha mostrando sua coleção. Estava mesmo acostumado com todo tipo de reação.

— Ah, meu amor — disse o marido. — Abra um pouco a sua mente.

— Vou voltar para o carro agora — disse ela, abaixando a cabeça e tornando a se retrair. — Venham logo.

— Espere aí — disse o pai. — Espere a gente.

Ele estava sem casaco. O menino também estava sem o seu e continuava ajoelhado, com a maleta aberta e as pontas dos dedos deslizando devagar pela superfície do aspirador, uma engenhoca que parecia uma garrafa térmica cromada, com tubos de borracha e uma máscara facial de plástico presos a uma das extremidades.

Ela não ouviu o que o marido falou, virou-se e foi saindo, deixando a porta aberta atrás de si. Desceu os íngremes degraus de granito até a calçada, sem tirar os olhos do chão. Estava com as pernas bambas quando saiu para a rua com passos de sonâmbula. Não olhou para a frente, foi logo atravessando a rua em direção a seu carro estacionado do outro lado.

Alinger estava se virando para pegar o livro de visitas — pensou que talvez o homem ainda quisesse assinar — quando ouviu o guincho dos freios e um ruído de metal sendo amassado, como se um carro tivesse batido de frente em uma árvore. Mas, antes mesmo de olhar, sabia que não tinha sido uma árvore. O pai gritou, depois gritou novamente. Alinger virou-se a tempo de vê-lo correr escada abaixo. Na rua, havia um Cadillac preto virado em um ângulo improvável, com vapor saindo pelas laterais do capo amassado. A porta do motorista estava aberta, e o motorista estava no meio da rua, com um chapéu-coco inclinado na cabeça.

Apesar do zumbido em seus ouvidos, Alinger pôde ouvir o lamento do motorista:

— Ela nem olhou. Entrou bem na frente do carro. Meu Deus do céu. O que é que eu podia fazer?

O pai não estava escutando. Estava na rua, ajoelhado, abraçando a mulher. O menino estava no guarda-volumes, com o casaco vestido pela metade, olhando para fora. Uma veia saltada pulsava na sua testa.

— Doutor! — gritou o pai. — Por favor! Doutor! — Estava olhando para Alinger. Alinger parou para pegar o casaco pendurado em um gancho. Era março, estava ventando, e ele não queria se resfriar. Não havia chegado aos 80 anos sendo descuidado nem fazendo as coisas de forma apressada. Fez um afago na cabeça do menino ao passar por ele. Mas ainda não havia chegado ao meio da escada quando a criança o chamou.

— Doutor — gaguejou o menino, e Alinger olhou para trás.

O menino estava lhe estendendo sua maleta, ainda destrancada.

— Sua maleta — disse ele. — Talvez o senhor precise de uma coisa que está aqui dentro. Alinger sorriu, satisfeito, tornou a subir os degraus e pegou a maleta dos dedos frios do menino.

— Obrigado — falou. — Talvez eu precise mesmo.


5 Comentários

  1. Santo pai. Terminei a leitura de olhos arregalados. Estou conhecendo a escrita do autor através de seus posts, e amando. É fascinante ler um conto, curto, e ainda assim ser surpreendida com o desenrolar.
    Acredito que minha próxima compra de livros estrangeiros (rsrs) será alguma obra de Joe.
    Beeeijos
    lua-literaria.blogspot.com.br

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    1. Fico muito feliz por estar gostando, o cara é um dos meus autores favoritos e isso não é mais segredo pra ninguém hahaha
      Beijos Bia!

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  2. Esse Joe arrebata o meu coração! Coisa linda, gente!
    Esse é o meu conto preferido tb.
    E o que me irrita nele é o fato de não saber o que a Miss disse... Rs!
    O que será?
    Curiosidade fica corroendo...
    Adorando estes posts, Tisa!

    Beijos!
    Fabi Carvalhais
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    1. Eu adoro esses suspenses. Tem muita gente que não curte estórias "inacabadas" assim, mas eu adoro ficar problematizando o que pode ter acontecendo hahaha
      Que bom Fabi, obrigada pelo feedback! Beijos <3

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  3. Olá,

    Fiquei altamente assustada com esse conto HAHAHA.
    Sabia que ia acontecer alguma coisa hehe.
    Queria saber o que ela ouviu e disse no final de sua vida.
    Doutor Macabro, sió.

    Beijos,
    http://poesiaqueencantavida.blogspot.com.br

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