Oi gente!
Eu ando meio sumida daqui, eu sei. Tenho conseguido manter a rotina de postagens, mas responder comentários e acompanhar os outros blogs tem sido uma tarefa quase impossível para mim. O motivo disso? Monografia. Eu ainda estou escrevendo apenas o meu projeto, e ainda assim isso já tá comendo a minha vida, não tenho tido tempo para mais nada, então me perdoem pela displicência. :( Eu prometo, de dedinho, que quando as coisas acalmarem eu volto a dar atenção para todo mundo! <3E ainda tenho que continuar a fazer o parâmetro dos blogs amaldiçoados, pois a corrente já cresceu tanto (aê!!! <3) que eu estou perdendo a linha hahahah
Então, quando eu voltar a ter tempo, já tenho dois compromissos: me atualizar em relação aos blogs que acompanho e listar os blogs amaldiçoados.
Enfim, vamos ao post de hoje.
Dando continuidade ao projeto Fantasmas do Século XX (que para quem ainda não sabe do que se trata, clica AQUI), hoje postarei outro dos meus contos favoritos: A Máscara do meu Pai. Preciso admitir que eu não sou capaz de construir uma sinopse legal do conto sem dar spoilers, mas posso dizer que ele é muito doido hahaha
Se eu tivesse que comparar com algo, diria que é meio que um Alice no País das Maravilhas, só que na versão macabra.
Entretanto, meu amigo do blog Leitor Noturno escreveu um resumo bem legal, dá uma lida aí:
Jack viaja com seus pais para um chalé que pertencia ao seu avô, que havia falecido recentemente, afim de vender alguns objetos que receberam de herança. Chegando lá ele se depara com uma casa antiga em que todos os espelhos estão cobertos e várias máscaras estão em todos os lugares. Por mais que o menino já esteja com 13 anos, sua mãe diz a ele que deve usar a máscara para se proteger das pessoas-carta-de-baralho que o seguiam (cá entre nós, ela é um pouco pirada). O conto possui um horror infantil, surreal, uma mistura das fantasias vividas nos sonhos. É um conto a lá Neil Gaiman.
Bom, agora vamos, efetivamente, ao conto, que é o que mais interessa aqui, né? :)
Diz abaixo aí o que você achou, pois ele não é drama como o anterior que foi postado, esse realmente já tem uma pegada um pouco pesada em relação ao terror (mas não muito, não precisa se cagar antes de começar hahah).
A MÁSCARA DO MEU PAI
No caminho de carro até Big Cat Lake, jogamos um jogo. foi
ideia da minha mãe. O sol já estava se pondo quando chegamos à estrada
estadual, e não havia mais nenhuma luz no céu a não ser uma mancha fria e
pálida a oeste no momento em que ela me disse que havia alguém atrás de mim.
— São pessoas em forma de cartas de baralho — disse ela. —
Reis e rainhas. Tão finas que são capazes de passar por debaixo das portas.
Elas virão da direção do lago, procurando pela gente. Tentando pegar a gente.
Sempre que aparecer alguém vindo da outra direção, você precisa se esconder. A
gente não tem como proteger você... não aqui na estrada. Rápido, abaixe-se. Lá
vem uma delas.
Deitei-me no banco de trás e fiquei olhando os faróis que
vinham da pista oposta correrem pelo teto do nosso carro. Não tinha certeza se
estava embarcando na brincadeira ou se estava só me esticando para ficar mais
confortável. Eu estava de mau humor. Queria ter ido dormir na casa do meu amigo
Luke Redhill, para ficar jogando pingue-pongue e assistindo à TV até tarde com
ele (e com sua irmã mais velha de pernas compridas, Jane, e a amiga de cabelos
macios, Melinda), mas havia chegado do colégio e encontrado malas na frente da
casa, e meu pai as estava colocando dentro do carro. Foi quando fiquei sabendo
que iríamos passar a noite na cabana do meu avô em Big Cat Lake. Não podia
ficar zangado com meus pais por não me contarem seus planos com antecedência,
porque eles provavelmente não haviam feito planos com antecedência. Era muito
provável que tivessem decidido ir a Big Cat Lake durante o almoço. Meus pais
não faziam planos. Tinham impulsos e um filho de 13 anos, e não viam motivo
nenhum para deixar o último atrapalhar os primeiros.
— Por que vocês não podem me proteger? — perguntei.
— Porque existem algumas coisas para as quais amor de mãe e
coragem de pai não são suficientes. Além disso, quem conseguiria lutar contra
elas? Você conhece as pessoas do baralho. Sabe como elas sempre carregam
machadinhas de ouro e pequenas espadas de prata. Já reparou como a maioria das
boas mãos de pôquer são bem armadas? — minha mãe respondeu.
— Não é por acaso que o primeiro jogo que todo mundo aprende
se chama War, “guerra” — disse meu pai, dirigindo com um dos pulsos apoiado no
volante. — Todos esses jogos são variações do mesmo enredo. Reis metafóricos
combatendo pelas reservas mundiais limitadas de donzelas e dinheiro.
Minha mãe me olhou por cima do encosto do seu banco, séria,
com os olhos brilhando no escuro.
— Estamos com um problema, Jack — disse ela. — Estamos com
um grande problema.
— Tudo bem — falei.
— Já vem acontecendo há algum tempo. A gente no início
escondeu de você, porque não queria deixar você assustado. Mas você precisa
saber. É mais seguro. A gente... bom... a gente não tem mais dinheiro nenhum.
Foram as pessoas do baralho. Elas têm trabalhado contra a gente, estragando os
nossos investimentos, bloqueando os nossos bens. Têm espalhado os piores boatos
sobre o seu pai no trabalho dele. Eu não quero impressionar você com detalhes.
Elas têm dado telefonemas ameaçadores. Ligam para mim no meio do dia e falam
sobre as coisas horríveis que vão fazer comigo. Com você. Com todos nós.
— Outro dia puseram alguma coisa na minha comida e eu fiquei
com uma baita diarréia — disse meu pai. — Pensei que fosse morrer. E a nossa
roupa voltou do tintureiro com umas manchas brancas engraçadas. Foram elas
também.
Minha mãe riu. Já ouvi dizer que os cachorros têm três tipos
de latidos, cada qual com um significado específico: intruso, vamos brincar,
preciso fazer xixi. Minha mãe tinha um determinado número de risadas, cada uma
com seu significado e sua identidade, mas todas maravilhosas. Essa risada,
convulsa e grosseira, era a maneira como ela reagia a piadas de mau gosto, a
acusações ou a situações em que era pega fazendo alguma bobagem.
Ri junto com ela, tornando a me sentar, relaxando a barriga.
Ela falara com os olhos tão arregalados e de forma tão solene que, por um
instante, eu esqueci que ela estava inventando tudo aquilo.
Minha mãe se inclinou na direção do meu pai e correu o dedo
pelos lábios dele, como alguém que fecha um zíper.
— Deixe que eu conto — falou. — Eu proíbo você de falar
qualquer outra coisa.
— Se a gente está com problemas de dinheiro tão sérios
assim, eu poderia ir morar com o Luke por um tempo — falei. E com a Jane,
pensei. — Não quero ser um fardo para a família.
Ela tornou a olhar para mim.
— Não é com o dinheiro que eu estou preocupada. Amanhã um
avaliador vai se encontrar conosco. Naquela casa tem umas coisas antigas
maravilhosas que o seu avô deixou para a gente. Vamos ver se conseguimos
vender.
Meu avô, Upton, havia morrido no ano anterior de uma forma
que ninguém gostava de comentar. Fora uma morte que não combinava com a sua
vida, uma conclusão de filme de terror enxertada em uma comédia maluca, meio à
la Frank Capra. Ele estava em Nova York, num apartamento que possuía no quinto
andar de um prédio no Upper East Side, um dos muitos imóveis que ele tinha.
Chamou o elevador e, quando ele chegou, meu avô cruzou imediatamente a porta —
só que o elevador não estava lá, e ele despencou cinco andares. A queda não o
matou. Ele passou mais um dia vivo no fundo do poço. O elevador era velho e
lento, e rangia alto sempre que precisava se movimentar, como a maioria dos
residentes do prédio. Ninguém ouviu seus gritos.
— Por que é que a gente não vende a casa de Big Cat Lake? —
perguntei. — Aí ficava nadando na grana.
— Ah, a gente não pode fazer isso. A casa não é só nossa.
Ela também pertence à tia Blake, aos gêmeos Greenly. E, mesmo que fosse nossa,
seria impossível vendê-la. Ela sempre pertenceu à nossa família.
Pela primeira vez desde que eu havia entrado no carro,
pensei ter entendido por que nós realmente estávamos indo para Big Cat Lake.
Finalmente, vi que meus planos de fim de semana haviam sido sacrificados em
nome da decoração de interiores. Minha mãe adorava decorar as coisas. Adorava
escolher cortinas, cúpulas de abajur, adorava encontrar puxadores de ferro
únicos para os armários. Alguém a havia encarregado de redecorar a cabana em Big
Cat Lake — ou, mais exatamente, ela havia encarregado a si própria —, e minha
mãe estava decidida a começar a se livrar de toda a tralha.
Eu me sentia um panaca por tê-la deixado me distrair do meu
mau humor com uma de suas brincadeiras.
— Eu queria ter ido dormir na casa do Luke — falei.
Minha mãe lançou-me um olhar cúmplice de soslaio por baixo
das pálpebras semicerradas, e eu senti um súbito arrepio de ansiedade. Foi um
olhar que me fez imaginar o que ela sabia, e se havia adivinhado os verdadeiros
motivos da minha amizade com Luke Redhill, um tirador de meleca grosseiro, mas
de boa índole, que eu considerava intelectualmente inferior a mim.
— Você não estaria seguro lá. As pessoas do baralho iriam te
pegar — disse ela, em um tom ao mesmo tempo alegre e um pouco afetado demais.
Olhei para o teto do carro.
— Tá bom.
Passamos algum tempo viajando em silêncio.
— Por que elas querem me pegar? — perguntei, embora àquela
altura eu já estivesse farto da brincadeira e quisesse acabar com ela.
— Isso tudo é por causa da nossa incrível supersorte.
Ninguém deveria ter tanta sorte quanto a gente. Elas detestam a idéia de alguém
levar vantagem. Mas tudo estaria quite se roubassem você. Pouco importa quanta
sorte se teve, quando se perde um filho a diversão acaba. É claro que tínhamos
sorte, talvez até uma supersorte, e não apenas por sermos ricos, como todo
mundo na nossa numerosa família de inúteis que vivia do dinheiro herdado. Meu
pai tinha mais tempo para mim do que outros pais tinham para outros meninos. Só
ia trabalhar depois que eu saía para o colégio e em geral já estava em casa
quando eu voltava e, caso eu não tivesse mais nada para fazer, íamos de carro
até o campo de golfe para dar umas tacadas. Minha mãe era linda, ainda jovem,
com apenas 35 anos, e dotada de um instinto natural para a travessura que fazia
dela um sucesso entre meus amigos. Eu desconfiava de que muitos dos meninos com
quem eu convivia, incluindo Luke Redhül, haviam-na incluído em uma variedade de
fantasias masturbatórias e que, na verdade, sua atração por ela explicava a
maior parte de seu apreço por mim.
— E por que é que Big Cat Lake é tão seguro assim? —
perguntei.
— Quem disse que é seguro?
— Então por que é que a gente está indo para lá? Ela me deu
as costas.
— Para poder acender um foguinho gostoso na lareira, dormir
até tarde, comer omeletes e passar a manhã inteira de pijama. Mesmo que a gente
esteja temendo pela própria vida, não é motivo para passar o fim de semana
inteiro triste.
Ela pôs a mão na nuca do meu pai e brincou com seus cabelos.
Então se retesou e suas unhas se enterraram no pescoço dele.
— Jack — disse ela para mim. Estava olhando para além do meu
pai, através da janela do motorista, para alguma coisa no escuro lá fora. —
Abaixe-se, Jack, abaixe-se.
Estávamos na Estrada 16, uma rodovia comprida e reta, com um
estreito canteiro de grama entre as duas pistas. Havia um carro estacionado em
um retorno próximo e, quando passamos, seus faróis se acenderam. Virei a cabeça
e fiquei olhando para eles por alguns instantes antes de me abaixar e sumir de
vista. O carro — um elegante Jaguar prateado — entrou na estrada e começou a
acelerar atrás de nós.
— Eu avisei que não deixasse que eles vissem você — disse
minha mãe. — Ande mais rápido, Henry. Fuja deles.
Nosso carro aumentou a velocidade, chispando pela escuridão.
Enterrei os dedos no banco, sentando de joelhos para espiar pela janela
traseira. Por mais depressa que fôssemos, o outro carro continuava sempre à
mesma distância atrás de nós, fazendo as curvas com uma segurança silenciosa,
ameaçadora. De vez em quando, minha respiração ficava presa na garganta durante
alguns segundos antes de eu me lembrar de respirar. Placas de trânsito passavam
zunindo, depressa demais para serem lidas.
O Jaguar nos seguiu por quase 5 quilômetros antes de entrar
no estacionamento de um restaurante de beira de estrada. Quando me virei no
banco, minha mãe estava acendendo um cigarro no anel laranja brilhante do
acendedor do carro. Meu pai cantarolava baixinho, relaxando o pé no acelerador.
Balançava a cabeça de leve de um lado para outro, no compasso de uma melodia
que eu não reconheci.
Saí correndo pela noite adentro, atravessando o vento
cortante de cabeça baixa, sem olhar para onde estava indo. Minha mãe veio logo atrás
de mim, e nós dois fomos em direção à varanda da frente. Não havia nenhuma luz acesa
na fachada do chalé à beira do lago. Meu pai havia desligado o motor e os
faróis. A casa ficava no meio do mato, no final de uma estradinha de terra
esburacada onde não havia postes. Logo atrás da casa, eu podia ver um pedacinho
do lago, um buraco no meio do mundo, tomado por uma escuridão pulsante.
Minha mãe abriu a porta e começou a acender as luzes. A
cabana era construída em volta de um cômodo central, com um telhado rústico, de
vigas aparentes, e paredes feitas de toras de madeira cuja casca vermelha
estava se soltando. A esquerda havia uma penteadeira com um espelho escondido
atrás de dois lenços pretos diáfanos. Tateando as paredes, com as mãos enfiadas
dentro das mangas do casaco para se aquecerem, cheguei perto da penteadeira.
Através dos lenços semitransparentes, vi uma figura difusa, disforme: meu
próprio reflexo escurecido vindo ao meu encontro no espelho. Senti um arrepio
de aflição ao ver aquele eu refletido, uma sombra sem feições espreitando atrás
da seda preta, alguém que eu não conhecia. Afastei o pano mas só vi a mim
mesmo, as bochechas muito vermelhas por causa do vento.
Estava prestes a me afastar quando reparei nas máscaras. O
espelho era sustentado por duas delicadas colunas, em cujo topo estavam
penduradas algumas máscaras, como as do Cavaleiro Solitário, que só cobriam os
olhos e um pouquinho do nariz. Uma delas tinha bigodes nas laterais e uma
camada de purpurina que fazia quem a usasse ficar parecido com um camundongo
coberto de jóias. Outra era feita de um luxuoso veludo preto, e teria sido um
traje adequado para uma cortesã a caminho de um baile de máscaras eduardiano.
O chalé inteiro havia sido cuidadosamente decorado com
máscaras. Elas pendiam das maçanetas das portas e dos espaldares das cadeiras.
Uma imensa máscara cor de carmim lançava seu olhar furioso do peitoril acima da
lareira, um demônio surrealista feito de papel machê laqueado, com um bico
curvo e penas em volta dos olhos — exatamente o tipo de coisa que você deveria
usar se fosse representar a Morte Vermelha de Edgar Allan Poe.
A mais inquietante de todas estava pendurada no trinco de
uma das janelas. Era feita de uma espécie de plástico distorcido, transparente,
e parecia o rosto de um homem moldado em um pedaço inconcebivelmente fino de
gelo. Era difícil vê-la na frente da vidraça, e eu me remexi de nervoso quando
reparei nela com o canto do olho. Durante alguns instantes, pensei que houvesse
um homem, espectral e quase ausente, flutuando acima da varanda, olhando para
mim com a boca aberta.
A porta da frente se abriu com estardalhaço e meu pai entrou
arrastando as malas. Ao mesmo tempo, minha mãe falou atrás de mim.
— Quando éramos jovens, crianças mesmo, seu pai e eu
costumávamos fugir para cá para ficar longe de todo mundo. Espere aí. Espere
aí, tenho uma idéia. Vamos brincar de uma coisa: você tem até a hora de ir
embora para adivinhar em que quarto foi concebido.
Ela gostava de tentar me deixar com nojo de vez em quando
com revelações íntimas e não solicitadas sobre ela e meu pai. Franzi o cenho e
lancei-lhe o que esperava ser um olhar de repreensão, e ela tornou a rir, e
ambos ficamos satisfeitos, uma vez que havíamos desempenhado perfeitamente os
nossos papéis.
— Por que os espelhos estão todos cobertos?
— Não sei — disse ela. — Talvez a pessoa que ficou hospedada
aqui da última vez tenha pendurado esses véus como uma forma de se lembrar do
seu avô. Na tradição judaica, quando alguém morre, os parentes cobrem os
espelhos como um alerta contra a vaidade.
— Mas a gente não é judeu — falei.
— Mas é uma tradição bonita. Seria bom para todo mundo
passar menos tempo pensando em si mesmo.
— E o que significam todas essas máscaras?
— Toda casa de veraneio precisa ter umas máscaras
espalhadas. E se você quiser tirar férias do próprio rosto? Eu fico
enjoadíssima de ser a mesma pessoa todo santo dia. O que achou dessa aí,
gostou?
Eu estava tocando distraidamente a máscara transparente e
sem expressão pendurada na janela. Quando ela chamou minha atenção para o que
eu estava fazendo, retirei a mão. Um calafrio percorreu meus braços.
— Você deveria experimentar — disse ela, com um sussurro
animado. — Deveria ver como fica em você.
— É horrível — falei.
— Você vai ficar bem dormindo sozinho no seu quarto? Pode
dormir na cama com a gente. Foi o que fez da última vez que viemos aqui. Mas na
época você era bem mais novo.
— Tudo bem. Eu não iria querer atrapalhar, no caso de vocês
terem vontade de conceber mais alguém.
— Cuidado com o que você deseja — disse ela. — A história se
repete.
Os únicos móveis que havia no meu quartinho eram uma cama de
campanha, arrumada com lençóis com cheiro de naftalina, e um guarda-roupa encostado
em uma das paredes, com cortinas estampadas escondendo o espelho do fundo. Uma
máscara estava pendurada no trilho da cortina. Era feita de folhas de seda
verde costuradas e enfeitadas com paetês também verdes; gostei dela até a hora
em que apaguei a luz. Na penumbra, as folhas pareciam escamas pontiagudas de
alguma criatura com cara de lagarto, com imensas órbitas vazias onde deveriam
estar os olhos. Tornei a acender a luz e me levantei para virá-la de frente
para a parede.
Árvores cresciam coladas à casa, e algumas vezes um galho
batia na lateral do chalé, fazendo um barulho que sempre me despertava com a
idéia de que havia alguém batendo na porta do quarto. Acordei, cochilei, tornei
a acordar. O vento ganhou força e emitia um ruído estridente, e em algum lugar
do lado de fora soava um constante ping-ping-ping metálico, como se uma roda
estivesse girando impulsionada por um vendaval. Fui até a janela para olhar,
sem esperar ver nada. Havia lua no céu, porém, e, quando as árvores
chacoalhavam, o luar corria pelo chão em meio ao breu, como cardumes daqueles
peixinhos prateados que vivem nas águas profundas e brilham no escuro.
Apoiada em uma das árvores havia uma bicicleta, uma
relíquia, com a roda dianteira gigantesca e a traseira quase risível de tão
pequena. A roda da frente girava continuamente, emitindo aquele ping-ping-ping.
Um menino atravessou o gramado em sua direção, um menino gordinho de cabelos
louros, usando um camisolão branco. Quando o vi senti uma onda instintiva de
pavor. Ele segurou o guidom da bicicleta e inclinou a cabeça, como se houvesse
escutado algum som, e eu me escondi, recuando para longe da vidraça. Ele se
virou e olhou para mim, com olhos e dentes prateados e covinhas nas suas
bochechas gordas de querubim. Então eu despertei com um susto na minha cama com
cheiro de naftalina, emitindo ruídos desolados de medo.
Quando a manhã chegou e finalmente me desvencilhei do sono
de forma definitiva, vi que estava no quarto principal debaixo de uma pilha de
cobertores, com o sol batendo no meu rosto. A marca da cabeça da minha mãe
ainda marcava o travesseiro ao meu lado. Não me lembrava de ter corrido para lá
no escuro, e fiquei contente por isso. Aos 13 anos, eu ainda era um menino, mas
tinha lá o meu orgulho.
Fiquei deitado como uma lagartixa em cima de uma pedra —
absorvendo o sol, acordado sem estar consciente — até ouvir um barulho de zíper
no outro lado do aposento. Olhei em volta e vi meu pai abrindo a mala em cima
da cômoda. Algum sutilmovimento das cobertas chamou sua atenção, e ele virou a
cabeça para olhar para mim.
Ele estava nu. O sol da manhã bronzeava seu corpo curto,
compacto. Estava usando a máscara de plástico transparente que eu vira
pendurada na janela da sala na noite anterior. A máscara amassava seus traços,
achatando-os, tornando suas formas irreconhecíveis. Ele me encarou sem
expressão, como se não soubesse que eu estaria ali deitado na cama, ou talvez
como se não me conhecesse. A forma grossa e comprida do seu pênis repousava
sobre uma almofada de pêlos ruivos. Eu já o vira pelado muitas vezes, mas, com
aquela máscara, ele era uma pessoa diferente, e sua nudez era desconcertante.
Ele me olhava sem dizer nada — e isso também era desconcertante.
Abri a boca para dizer oi e bom-dia, mas meu peito estava
ofegante. Passou pela minha cabeça que ele era, de fato, um desconhecido para
mim. Fui incapaz de encarar seu olhar, desviei o meu, e em seguida saí de baixo
das cobertas e fui até a sala, fazendo esforço para não correr.
Uma frigideira fez barulho na cozinha. Água esguichou de uma
torneira. Segui os ruídos até minha mãe, que estava em frente à pia enchendo a
chaleira de água. Ela ouviu meus passos e olhou para trás por cima do ombro. A
imagem dela me fez estacar. Estava usando uma máscara preta de gatinha,
contornada de cristais e com bigodes cintilantes. Não estava nua, mas usava uma
camiseta da cerveja MILLER LITE que descia até os quadris. Suas pernas, porém,
estavam de fora, e quando ela se inclinou por cima da pia para fechar a
torneira pude ver de relance uma calcinha preta de tiras finas. Senti-me
reconfortado por ela ter sorrido ao me ver, e não simplesmente olhado para mim
como se nunca tivesse me visto.
— Estou fazendo omeletes — disse ela.
— Por que você e papai estão de máscara?
— Hoje é Halloween, não é?
— Não — respondi. — É na quinta-feira que vem.
— Existe alguma lei contra comemorar adiantado? — perguntou
ela. Então parou junto ao fogão, com uma luva de proteção em uma das mãos, e
lançou-me outro olhar. — A propósito...
— Lá vem. O caminhão está dando ré. A caçamba está se
abrindo. A merda está prestes a cair lá de dentro.
— Aqui é sempre Halloween. Esta casa se chama Casa das
Máscaras. É o nosso nome secreto para ela. Esta é uma das regras do chalé:
enquanto você estiver aqui, tem que usar máscara. Sempre foi assim.
— Posso esperar até o Halloween.
Ela tirou a frigideira do fogo e me serviu um pedaço de
omelete e uma xícara de chá. Então sentou-se do outro lado da mesa para me ver
comer.
— Você tem que ficar de máscara. As pessoas do baralho viram
você ontem à noite. Elas agora vão vir aqui. Você tem que estar de máscara para
elas não o reconhecerem.
— Por que é que elas não iriam me reconhecer? Eu estou
reconhecendo você.
— Você acha que está — disse ela, com os olhos de cílios
compridos vividos e bem-humorados. — As pessoas do baralho não vão reconhecê-lo
se você estiver mascarado. É o calcanhar-de-aquiles delas. Tudo para elas é no
sentido literal. Elas pensam de forma muito unidimensional.
— Ha, ha — zombei. — Quando é que o avaliador vai chegar?
— Uma hora dessas. Mais tarde. Não sei muito bem. Não tenho
nem certeza se existe mesmo um avaliador. Eu posso ter inventado isso.
— Só estou acordado há 20 minutos e já estou entediado. Não
daria para vocês terem arrumado uma babá para mim e vindo para cá sozinhos
passar este fim de semana esquisito, mascarados, fazendo bebês? — Assim que eu
disse isso, senti meu rosto corar, mas fiquei contente por ter tido coragem de
provocá-la em relação às máscaras, à lingerie preta e à brincadeira burlesca
que estavam fazendo e que achavam que eu fosse jovem demais para entender.
— Prefiro você aqui. Assim você não arruma encrenca com
aquela menina — disse ela. O calor nas minhas faces se intensificou como se
fossem brasas depois que alguém assopra.
— Que menina?
— Não tenho certeza de qual é a menina. Ou é a Jane Redhill
ou então a amiga dela. Provavelmente a amiga dela. É a pessoa que você espera
encontrar toda vez que vai à casa do Luke.
Era Luke quem gostava da amiga dela, Melinda; eu gostava de
Jane. Mesmo assim, o chute de minha mãe foi certeiro o bastante para me
desestabilizar. Seu sorriso se escancarou diante do meu silêncio desolado.
— Ela é bem gatinha, não é? A amiga da Jane? As duas são.
Mas a amiga parece mais o seu tipo. Qual o nome dela? Melinda? Aquele jeito
dela de andar por aí de macacão folgado. Aposto que ela passa as tardes lendo
livros em uma casa na árvore que construiu junto com o pai. Aposto que cata as
próprias minhocas para pescar e joga futebol com os meninos.
— Quem gosta dela é o Luke.
— Então é a Jane.
— Quem disse que tem que ser uma das duas?
— Deve ter algum motivo para você ficar andando para lá e
para cá com o Luke. Além do próprio Luke. — Então ela arrematou: — A Jane outro
dia foi até lá em casa vender umas revistas para arrecadar dinheiro para a
igreja dela. Ela parece uma menina bem bacana. Muito preocupada com a comunidade.
Tem senso de humor. Quando você for um pouco mais velho, deveria dar uma
paulada na cabeça do Luke Redhül e jogar o corpo dele na pedreira. Essa Melinda
vai cair direto nos seus braços. Vocês dois podem chorar juntos a morte dele. A
dor pode ser muito romântica. — Ela pegou meu prato vazio e se levantou. —
Pegue uma máscara. Entre na brincadeira.
Ela pôs meu prato dentro da pia e saiu. Bebi um copo de suco
e fui até a sala atrás dela. Olhei de relance para o quarto principal no mesmo
instante em que ela começava a fechar a porta. O homem que eu pensava ser meu
pai ainda estava usando a máscara de gelo que o desfigurava, mas havia vestido
uma calça jeans. Por um segundo, nossos olhares se cruzaram, e o seu foi frio e
desconhecido. Ele pôs uma das mãos no quadril de minha mãe, possessivo. A porta
finalmente se fechou e os dois sumiram.
No outro quarto, sentei-me na beira da cama e enfiei os pés
dentro dos tênis. O vento gemia debaixo dos beirais. Estava me sentindo
desanimado e esquisito, queria estar em casa, não fazia idéia de como ocupar
meu tempo. Quando me levantei, vi por acaso a máscara verde com folhas de seda
costuradas, novamente virada de frente para o quarto. Peguei-a, esfreguei-a
entre o polegar e o indicador, testando sua textura lisa e escorregadia. Quase
sem perceber, pus a máscara no rosto.
Minha mãe estava na sala, tinha acabado de sair do banho.
— É você — disse ela. — Está parecendo Dionísio. Está
parecendo Pã. A gente deveria arrumar um lençol. Você poderia andar por aí de
toga.
— Ia ser engraçado. Até eu ficar com hipotermia.
— Tem uma baita corrente de ar nesta sala, não é? A gente
precisa de uma lareira. Um de nós vai ter que ir até a floresta buscar um
bocado de lenha.
— Puxa, quem será que vai?
— Espere aí. Vamos transformar isso em uma brincadeira. Vai
ser animado.
— Com certeza. Não há nada mais animado do que sair no frio
para procurar gravetos.—Escute. Não saia da trilha da floresta. Lá na mata nada
é real, exceto a trilha.
Crianças que se afastam dela nunca mais encontram o caminho
de volta. Além do mais... isso é o mais importante... não deixe ninguém te ver,
a menos que a pessoa esteja de máscara. Qualquer um que estiver de máscara está
se escondendo das pessoas do baralho, que nem a gente.
— Se a floresta é tão perigosa para crianças, não seria
melhor eu ficar aqui e você ou o papai irem brincar de catar gravetos? Aliás,
ele algum dia vai sair do quarto?
Mas ela estava sacudindo a cabeça.
— Adultos não podem entrar na floresta de jeito nenhum. Ela
não é segura para alguém da minha idade. Eu não consigo nem ver a trilha.
Quando você fica velho como eu, ela some de vista. Eu só sei que ela existe
porque seu pai e eu tínhamos o costume de andar por ela quando éramos
adolescentes. Só os jovens conseguem encontrar o caminho no meio de todas as
maravilhas e ilusões da floresta profunda e escura.
Do lado de fora, o dia estava apagado e frio debaixo do céu
cinzento. Dei a volta na casa e fui até os fundos para ver se havia uma pilha
de madeira. Quando passei pelo quarto principal, meu pai bateu na vidraça. Fui
até a janela para ver o que ele queria e fui surpreendido pelo meu próprio
reflexo sobreposto ao rosto dele. Eu ainda estava usando a máscara de folhas de
seda, e por um instante havia me esquecido dela.
Ele abriu a janela e inclinou o corpo para fora, o rosto
amassado pelo invólucro de plástico transparente, os olhos azuis frios e um
pouco inexpressivos.
— Aonde você está indo?
— Dar uma olhada na floresta, eu acho. Mamãe quer que eu
pegue uns gravetos para acender a lareira.
Ele apoiou os braços no parapeito da janela e olhou para o
quintal. Ficou vendo algumas folhas cor de ferrugem darem cambalhotas pela
grama.
— Eu queria poder ir.
— Então vamos.
Ele ergueu os olhos para mim e sorriu pela primeira vez
naquele dia.
— Não. Agora não. Vamos fazer o seguinte. Vá indo na frente
e, quem sabe, eu encontro você lá daqui a pouco.
— Tá.
— É engraçado... quando você vai embora deste lugar, esquece
como aqui é... puro. Esquece o cheiro que o ar tem. — Passou mais um instante
fitando a grama e o lago, depois virou a cabeça e olhou nos meus olhos. — E de
outras coisas também. Jack, escute, eu não quero que você se esqueça do...
A porta se abriu atrás dele, do outro lado do quarto. Meu
pai se calou. Minha mãe estava em pé na soleira. Vestia uma calça jeans e um
suéter, e estava manuseando a larga fivela do cinto.
— Rapazes — disse ela. — Do que vocês estão falando?
Meu pai não a olhou de volta, mas continuou me encarando e,
por baixo de seu novo rosto de cristal derretido, pensei ter visto uma
expressão de tristeza, como se ele houvesse sido surpreendido fazendo algo
levemente constrangedor; talvez trapaceando em uma partida de paciência.
Lembrei-me então de minha mãe fechando um zíper imaginário na frente de sua
boca na noite anterior. Minha cabeça ficou estranha e leve. De repente, pensei
que devia estar presenciando mais uma parte de algum jogo perverso que se
desenrolava entre os dois e, quanto menos soubesse a respeito, mais feliz eu ficaria.
— Nada — respondi. — Eu só estava dizendo para o papai que
ia dar uma volta. E agora estou indo. Dar a minha volta. — Fui me afastando da
janela enquanto falava.
Minha mãe tossiu. Meu pai começou a fechar a janela
lentamente, com o olhar ainda colado ao meu. Girou a tranca — e então pousou a mão
espalmada sobre a vidraça, em um gesto de adeus. Quando abaixou a mão, a marca
embaçada permaneceu como um fantasma, diminuindo aos poucos até desaparecer.
Meu pai desceu a persiana.
Esqueci de catar gravetos quase no mesmo instante em que
comecei a andar. A essa altura, havia chegado à conclusão de que meus pais me queriam
fora da casa para poderem ficar a sós, idéia que me deixou irritado. No final
da trilha, tirei minha máscara de folhas de seda e pendurei-a num galho.
Fui andando de cabeça baixa e com as mãos enfiadas nos
bolsos do casaco. Durante algum tempo, o caminho corria paralelo ao lago,
visível por trás das cicutas de aspecto gelado. Eu estava tão ocupado —
pensando que, se os dois estavam com vontade de ser pervertidos e não se
comportar como pais, deviam ter encontrado um jeito de ir a Big Cat Lake sem
mim — que não reparei que a trilha fazia uma curva e se afastava da água. Só
ergui os olhos quando ouvi o som vindo na minha direção: um ronco metálico, o
estalo de uma estrutura de metal sob pressão. Logo à minha frente, o caminho se
bifurcava para dar a volta em uma rocha que tinha o tamanho e o formato de um
caixão em pé, meio enterrado no chão. Depois da pedra, a trilha tornava a se
unificar e seguia serpenteando por entre os pinheiros.
Não sabia por que, mas estava alarmado. Foi algo na forma
como o vento se ergueu naquele instante, fazendo as árvores açoitarem o céu. Ou
foi a maneira frenética como as folhas corriam em volta dos meus pés, como se
estivessem subitamente com pressa de sair dali. Sem pensar, sentei-me atrás da
rocha, com as costas apoiadas na pedra, e abracei os joelhos junto ao peito.
Um instante depois, o menino da bicicleta antiga — o menino
com quem achei que tivesse sonhado — passou montado nela pela minha esquerda
sem sequer olhar na minha direção. Vestia o mesmo camisolão da noite anterior.
Tiras brancas prendiam às suas costas um par de pequenas asas de penas brancas.
Talvez ele já estivesse com elas da primeira vez que o vi, sem que eu tivesse
percebido no escuro. Quando ele passou com a bicicleta estalando, pude ver por
um breve instante as covinhas em suas bochechas e sua franja loura, as feições
imobilizadas numa expressão serena, confiante. Seu olhar era tranqüilo,
distante. Atento. Vi-o guiar sua bicicleta de Charlie Chaplin com agilidade em meio
às pedras e raízes, fazer uma curva e sumir de vista.
Se eu não o tivesse visto à noite, poderia ter pensado que
fosse um menino a caminho de uma festa a fantasia, embora estivesse frio demais
para se andar por aí de camisolão. Desejei estar de volta à cabana, longe do
vento, seguro junto de meus pais. Estava apavorado com as árvores que ondulavam
e farfalhavam ao meu redor.
Quando me mexi, porém, foi para seguir na mesma direção de
antes, olhando para trás por cima do ombro para ter certeza de que o ciclista
não estava vindo atrás de mim. Não tive coragem de voltar pela trilha, sabendo
que o menino da bicicleta antiga estava em algum lugar daquele lado, entre mim
e a cabana.
Segui apressado, esperando encontrar uma estrada ou uma das
outras casas de veraneio à margem do lago, ansioso para estar em qualquer outro
lugar que não na floresta. Qualquer lugar ficava a menos de 10 minutos a pé da
rocha em forma de caixão. Estava claramente indicado — havia uma tábua gasta
pregada no tronco de um pinheiro com as palavras QUALQUER LUGAR pintadas em
cima —, era uma clareira na floresta onde as pessoas costumavam acampar. No
fundo de um buraco enegrecido havia um punhado de gravetos carbonizados.
Alguém, talvez crianças, havia construído uma cabana entre duas rochas. As
rochas tinham mais ou menos a mesma altura, inclinadas uma na direção da outra,
e uma tábua havia sido colocada em cima delas. Um tronco de árvore fora puxado
para a abertura de frente para a clareira, proporcionando tanto um lugar para
as pessoas se sentarem quando uma barreira que precisava ser ultrapassada para
se entrar no abrigo.
Fiquei em pé junto à ruína do antigo acampamento, tentando
me localizar. Duas trilhas do outro lado conduziam para longe do acampamento.
Havia pouca diferença entre as duas, ambas eram sulcos estreitos escavados na
vegetação rasteira, e não havia indicação de para onde poderiam conduzir.
— Para onde você está tentando ir? — perguntou uma menina à
minha esquerda, com uma voz baixa e bem-humorada.
Com um sobressalto, dei um passo para trás e olhei em volta.
Ela estava com o corpo para fora do abrigo, as mãos sobre a tora de madeira. Eu
não a tinha visto nas sombras da tenda. Tinha os cabelos pretos e era um pouco
mais velha do que eu — tinha uns 16 anos, talvez —, e tive a impressão de que
era bonita. Era difícil ter certeza. Ela usava uma máscara preta de paetês com
um penacho de avestruz espetado em um dos lados. Logo atrás dela, mais fundo na
escuridão, havia um menino com a metade superior do rosto escondida atrás de
uma máscara de plástico lisa e branca como leite.
— Estou procurando o caminho de volta — falei.
— De volta para onde? — indagou a menina.
O menino ajoelhado atrás dela pousou um olhar demorado em
seu traseiro empinado vestido com um jeans desbotado. Conscientemente ou não,
ela estava remexendo os quadris um pouquinho de um lado para o outro.
— A minha família tem uma casa de veraneio por aqui. Eu
estava tentando descobrir se alguma dessas duas trilhas poderia me levar de
volta até lá.
— Você poderia voltar pelo mesmo caminho que veio — disse
ela, mas de forma travessa, como se já soubesse que eu estava com medo de pegar
a trilha.
— Acho melhor não — falei.
— O que você veio fazer aqui tão longe? — perguntou o
menino.
— Minha mãe me mandou catar lenha para a lareira. Ele deu
uma risadinha.
— Parece o começo de um conto de fadas. — A menina
lançou-lhe um olhar reprovador, que ele ignorou. — Um daqueles bem cruéis. Seus
pais não podem mais te alimentar, então mandam você para a floresta para se
perder. Às vezes, alguém é comido por uma bruxa no jantar. Assado dentro de uma
torta. Cuidado para não ser você.
— Quer jogar cartas com a gente? — perguntou a menina,
erguendo um baralho.
— Eu só quero ir para casa. Não quero que meus pais fiquem
preocupados.
— Sente aqui e jogue com a gente — disse ela. — Vamos jogar
uma rodada valendo respostas. O vencedor faz uma pergunta a cada um dos
perdedores, e a pessoa tem que dizer a verdade. Então, se você ganhar de mim,
vai poder me perguntar como voltar para casa sem ver o menino da bicicleta
velha, e eu vou ter que responder.
Isso significava que ela tinha visto o garoto e, de alguma
forma, adivinhara o resto.
Parecia satisfeita consigo mesma, estava gostando de me
dizer que era fácil descobrir o que eu estava pensando. Ponderei a questão por
um instante e então aquiesci.
— O que vocês estão jogando? — perguntei.
— É uma espécie de pôquer. Chama-se Mãos Frias, porque é o
único jogo de cartas que se pode jogar quando está frio.
O menino sacudiu a cabeça.
— É um daqueles jogos em que ela vai inventando as regras
durante a partida. — Sua voz soava irregular como a de um adolescente, mas
mesmo assim me era familiar.
Andei até a tora e a menina recuou de joelhos, deslizando de
volta para a área escura debaixo do telhado de compensado para abrir espaço
para mim. Não parou de falar um só instante, misturando o baralho surrado.
— Não é complicado. Eu distribuo cinco cartas para cada
jogador, viradas para cima. No final, quem tiver a melhor mão de pôquer ganha.
Provavelmente isso está soando simples demais, mas existem várias regrinhas
engraçadas. Se você sorrir durante a partida, o jogador sentado à sua esquerda
pode trocar uma carta por uma das suas. Se conseguir construir um castelo de
cartas com as primeiras três cartas que receber e os outros jogadores não
conseguirem derrubar o seu castelo com um sopro só, você pode olhar o bolo e
escolher a quarta carta que quiser. Se tirar uma prenda preta, os outros jogadores
apedrejam você até a morte. Se quiser fazer alguma pergunta, guarde para você.
Só o vencedor pode fazer perguntas. Qualquer pessoa que perguntar alguma coisa durante
o jogo perde na mesma hora. Tudo bem? Vamos começar.
Minha primeira carta foi um Valete Preguiçoso. Soube disso
porque estava escrito no canto inferior, e porque ela trazia o desenho de um
valete de cabelos louros reclinado sobre almofadas de seda enquanto uma moça de
um harém lixava suas unhas dos pés. Foi só quando a menina me entregou a
segunda carta — o Três de Anéis — que eu registrei mentalmente aquilo que ela
dissera sobre a prenda preta.
— Desculpe — comecei. — Mas o que é uma... Ela arqueou as
sobrancelhas e olhou para mim, séria. — Deixa pra lá — falei.
O menino fez um barulhinho com a garganta. A menina gritou:
— Ele sorriu! Agora você pode trocar uma carta por uma das
dele!
— Eu não sorri!
— Sorriu, sim — disse ela. — Eu vi. Pegue esta rainha e dê
para ele o seu valete. Entreguei-lhe o Valete Preguiçoso e tirei da sua frente
a Rainha dos Lençóis. A carta mostrava uma garota nua dormindo em uma cama de
dossel de madeira talhada, em meio a lençóis amarrotados. Tinha cabelos
castanhos lisos e traços fortes, bonitos, e era um pouco parecida com a amiga
de Jane, Melinda. Depois disso, recebi o Rei das Moedinhas e Moedões, um
sujeito de barba ruiva carregando um saco de moedas que estava se rasgando e
começando a derramar. Tive quase certeza de que a menina da máscara preta tirou
essa carta de baixo da pilha. Ela viu que eu vi e lançou-me um olhar tranqüilo,
mas desafiador.
Quando cada um de nós estava com três cartas, fizemos uma
pausa e tentamos construir castelinhos que os outros não conseguissem derrubar,
mas nenhum deles ficou em pé. Em seguida eu recebi a Rainha das Correntes e uma
carta na qual estavam escritas as regras do jogo de cribbage. Quase perguntei
se aquilo estava no baralho por acidente, mas depois mudei de idéia. Ninguém
tirou uma prenda preta. Eu nem sabia o que era isso.
— O Jack ganhou! — gritou a menina, o que me deixou um pouco
perturbado, uma vez que eu não chegara a me apresentar. — O Jack é o vencedor!
— Ela se jogou em cima de mim e me abraçou com fúria. Quando se endireitou,
estava enfiando minhas cartas no bolso do meu casaco. — Tome, você precisa
guardar a mão vencedora. Para se lembrar de como a gente se divertiu. Não se
preocupe, este baralho velho está com várias cartas faltando mesmo. Eu sabia
que você ia ganhar!
— É claro que ela sabia — disse o menino. — Primeiro ela
inventa um jogo com regras que só ela consegue entender, depois trapaceia para
o jogo sair como ela quer.
Ela riu, uma risada incontida, convulsa, e eu senti um
calafrio na nuca. Mas, na verdade, acho que a essa altura eu já sabia, mesmo
antes de ela rir, com quem estava jogando baralho.
— O segredo de evitar perdas infelizes é só jogar coisas que
você mesmo inventa — disse ela. — Agora vamos lá, Jack. Pergunte qualquer coisa
que quiser. É seu direito.
— Como é que eu chego em casa sem voltar pelo caminho por
onde cheguei?
— É fácil. Pegue a trilha mais perto do cartaz de QUALQUER
LUGAR, que ela vai levar você para qualquer lugar aonde queira ir. Só tenha
certeza de que é mesmo para a cabana que você quer ir, ou então é capaz de não
chegar lá.
— Certo. Obrigado. Foi um bom jogo. Eu não entendi nada, mas
me diverti bastante. — E saí cambaleando por cima da tora.
Eu havia avançado bem pouco quando ela me chamou. Virei para
trás e vi os dois lado a lado, reclinados por cima da tora e olhando para mim.
— Não se esqueça — disse ela. — Você também pode fazer uma
pergunta para ele.
— Eu conheço vocês? — perguntei, apontando para eles.
— Não — respondeu ela. — Você não conhece de verdade nenhum
de nós dois.
Havia um jaguar parado no estacionamento da casa, atrás do
carro dos meus pais. O interior era de cerejeira encerada e os bancos pareciam
que nunca tinham sido usados. O carro poderia muito bem ter acabado de sair da concessionária.
A essa altura, o dia já estava avançado, e a luz oblíqua vinda do oeste caía sobre
a copa das árvores. Não devia ser tão tarde assim.
Subi as escadas pisando firme, mas, antes de conseguir
chegar à porta, minha mãe a abriu e saiu lá de dentro, ainda usando a máscara
preta de gatinha.
— Sua máscara — disse ela. — O que você fez com ela?
— Joguei fora — falei. Não contei que a larguei na floresta
por vergonha de que me vissem com ela. Nesse momento desejei estar com a
máscara, embora fosse incapaz de explicar por quê.
Ela lançou um olhar ansioso de volta para a porta, depois se
agachou na minha frente.
— Eu sabia. Estava esperando você chegar. Ponha isto aqui. —
Ela me ofereceu a máscara de plástico transparente do meu pai.
Fiquei olhando para a máscara durante alguns instantes,
lembrando-me da forma como ela me fizera recuar da primeira vez que a vira, e
de como ela havia amassado os traços do meu pai para transformá-lo em algo frio
e ameaçador. Porém, quando a coloquei, ela serviu bastante bem. Recendia
levemente ao meu pai, um cheiro de café misturado ao aroma de sua loção
pós-barba. Achei reconfortante tê-lo assim tão perto de mim.
— Nós vamos embora dentro de alguns minutos. Para casa.
Assim que o avaliador terminar. Venha. Entre. Está quase acabando — disse minha
mãe.
Segui-a para dentro de casa, mas parei logo depois que
passei pela porta. Meu pai estava sentado no sofá, sem camisa e descalço. Seu corpo
parecia ter sido marcado por um cirurgião para uma operação. Linhas pontilhadas
e setas mostravam a localização do fígado, do baço e dos intestinos. Seus olhos
estavam virados para o chão, seu rosto não tinha expressão nenhuma.
— Pai? — falei.
Ele ergueu os olhos, movendo-os da minha mãe para mim,
depois novamente para minha mãe. Sua expressão permaneceu neutra, sem nada
revelar.
— Shh — fez minha mãe. — Papai está ocupado.
Ouvi saltos batendo nas tábuas nuas à minha direita e olhei
para o outro lado do aposento no instante em que o avaliador saía do quarto
principal. Imaginava que o avaliador fosse ser homem, mas era uma mulher de
meia-idade e paletó de tweed com alguns fios brancos aparentes nos cabelos
louros ondulados. Tinha traços austeros, impenetráveis, maçãs do rosto altas e
expressivas, as sobrancelhas arqueadas da nobreza da Inglaterra.
— Gostou de alguma coisa? — perguntou minha mãe.
— A senhora tem umas peças maravilhosas — disse a
avaliadora. Seu olhar se desviou para os ombros nus do meu pai.
— Bom — disse minha mãe. — Não se importe comigo. — Beliscou
de leve a parte de trás do meu braço e deu a volta em mim, sussurrando com o
canto da boca. — Cuide da casa, filho. Eu já volto.
Minha mãe lançou para a avaliadora um sorriso leve, polido,
antes de entrar no quarto e sumir de vista, deixando nós três sozinhos.
— Fiquei sentida quando soube da morte do Upton — disse a
avaliadora. — Você tem saudade dele?
A pergunta foi tão inesperada e direta que me deixou
surpreso. O tom de sua voz, que não foi de empatia, soou curioso demais, ávido
por um pouco de pesar.
— Acho que sim. A gente não era muito chegado — falei. — Mas
eu acho que ele teve uma vida boa.
— É claro que teve — disse ela.
— Eu ficaria feliz se as coisas para mim tivessem metade do
sucesso que tiveram para ele.
— É claro que vão ter — disse ela, pondo uma das mãos na
nuca do meu pai e começando a afagá-lo carinhosamente. Foi um gesto de uma
intimidade tão casual, tão obscena, que senti uma pontada de náusea ao ver
aquilo. Virei o rosto — tive de olhar para o outro lado —, e por acaso me
deparei com o espelho da penteadeira. Os lenços estavam levemente afastados, e
pelo reflexo eu vi uma mulher de baralho em pé atrás do meu pai, a rainha de
espadas, com olhos de tinta altivos e distantes, e vestes negras sobre o corpo.
Desviei os olhos do espelho, alarmado, e tornei a me virar para o sofá. Meu pai
estava sorrindo com um ar sonhador, recostado nas mãos que agora lhe
massageavam os ombros. A avaliadora me fitou por baixo de pálpebras semicerradas.
— Esse não é o seu rosto — disse ela. — Ninguém tem um rosto
assim, feito de gelo. O que você está escondendo?
Meu pai se retesou e seu sorriso desapareceu. Ele se sentou
ereto e inclinado para a frente, afastando os ombros das mãos dela.
— A senhora já viu tudo — disse meu pai para a mulher atrás
dele. — Já sabe o que quer? — Eu começaria com tudo aqui nesta sala — disse
ela, pousando novamente a mão de leve sobre o seu ombro. Brincou com um cacho
de seus cabelos por um instante. — Posso ficar com tudo, não posso?
Minha mãe saiu do quarto arrastando duas malas, uma em cada
mão. Olhou de relance para a mão da avaliadora no pescoço do meu pai e abafou
um gritinho de espanto — um gritinho que fez huh, e que pareceu significar
apenas isso —, depoistornou a pegar as malas e seguiu com elas até a porta.
— Está tudo à venda — disse meu pai. — Estamos dispostos a
negociar.
— Quem não está? — perguntou a avaliadora.
Minha mãe largou uma das malas na minha frente e fez um
gesto indicando que eu a pegasse. Segui-a até a varanda, e então olhei para
trás. A avaliadora estava inclinada por cima do sofá, a cabeça do meu pai
estava jogada para trás e a boca dela estava encostada na dele. Minha mãe
estendeu o braço na minha frente e fechou a porta. Fomos andando até o carro em
meio ao crepúsculo que se adensava. O menino de camisolão branco estava sentado
no gramado, com a bicicleta no chão ao seu lado. Esfolava um coelho morto com
um graveto, as entranhas do animal abertas e fumegando. Olhou de relance para
nós quando passamos e sorriu, exibindo dentes rosados de sangue. Minha mãe
passou um braço maternal em volta dos meus ombros.
Depois de entrar no carro, ela tirou a máscara e jogou-a no
banco de trás.
Continuei com a minha. Quando respirava fundo, podia sentir
o cheiro do meu pai.
— O que é que a gente está fazendo? — perguntei. — Ele não
vem?
— Não — respondeu ela, ligando o carro. — Ele vai ficar
aqui.
— Como é que ele vai voltar para casa?
Ela me lançou um olhar de viés e sorriu com empatia. Do lado
de fora, o céu tinha um azul quase preto e as nuvens, um tom quente de carmim;
mas dentro do carro já era noite. Virei-me no meu banco e fiquei de joelhos
para ver o chalé desaparecer por entre as árvores.
— Vamos jogar um jogo — disse minha mãe. — Vamos fingir que você
nunca conheceu o seu pai. Ele foi embora antes de você nascer. A gente pode
inventar umas historinhas engraçadas sobre ele. Ele tem uma tatuagem da época
em que foi fuzileiro naval e uma âncora azul, que é de... — A voz dela falhou
quando subitamente lhe faltou inspiração.
— De quando ele trabalhava em uma plataforma de petróleo.
Ela riu.
— Isso. E vamos fingir que esta estrada é mágica. A Rodovia
da Amnésia. Chegando em casa, nós dois vamos acreditar que isso tudo é verdade,
que ele realmente foi embora antes de você nascer. Todo o resto vai parecer um
sonho, um daqueles sonhos verdadeiros como lembranças. De qualquer forma, a
história inventada provavelmente vai ser melhor do que a de verdade. Quero
dizer, ele te amava loucamente, e queria tudo de melhor para você, mas você por
acaso consegue se lembrar de alguma coisa interessante que ele tenha feito?
Tive de reconhecer que não.
— Você consegue pelo menos se lembrar de qual era a
profissão dele? Também tive de reconhecer que não. Corretor de seguros?
— Não é um jogo legal? — perguntou ela. — Falando em jogo,
você guardou a sua mão?
— Minha mão? — perguntei, e então me lembrei, e toquei o
bolso do meu casaco.
— Melhor não largar essa mão. É uma mão e tanto. Rei de
Moedinhas e Moedões. Rainha dos Lençóis. Você está com tudo, garoto. Vou lhe
dizer uma coisa: quando a gente voltar para casa, dê uma ligada para essa tal
de Melinda. — Ela tornou a rir, depois deu um tapinha carinhoso na própria
barriga. — Bons dias à vista, garoto. Para nós dois.
Dei de ombros.
— Pode tirar a máscara — disse minha mãe. — A menos que você
esteja gostando de usá-la. Está gostando?
Ergui a mão até o pára-sol, abaixei-o e me vi no espelho. As
luzes à sua volta se acenderam. Estudei meu novo rosto de gelo e o rosto abaixo
dele, um vazio malformado, humano.
— Claro que estou — falei. — Este sou eu.
E ai? Curtiu?
Sim?
Não?
Dá tua opinião, cara!
Que delícia de conto! E realmente lembra Alice no país das maravilhas e Gaiman.
ResponderExcluirAdorei!
A mãe desse Jack é bem maluca, hein? Rs...
Compreendo sua falta de tempo. Primeiro pq estou tão sem tempo quanto vc, rs. E segundo pq a tal da monografia é um pesadelo! Taqueopariu! Acho que a melhor sensação da minha vida foi ter superado isso.
Mudando de assunto, te indiquei ao prêmio Dardos lá no blog, merecidamente, rs.
Conteúdo de qualidade tem que ser valorizado, né? Rs.
Desde já, parabéns! Rs.
Depois volto com mais tempo! Tenho que dar uma olhada no que tem rolado por aqui, afinal, infelizmente faz dias que nem apareço, né!
E esqueci de dizer que eu adoreeeeeiiii o projeto e, principalmente, que Joe Hill sempre arrasa!
Beijos!
Fabi Carvalhais
Pausa Para Pitacos | Participe do TOP COMENTARISTA | Promoção PQ SIM!
Oi Fabi! Adoro quando você aparece por aqui. :)
ExcluirNossa, nem fala, eu tô ficando maluca com esse negócio de monografia. Querer seguir carreira acadêmica foi uma das escolhas mais difíceis que já fiz hahaha
Ah que lindo!! Eu vou agora lá ver, muito obrigada! <3
Gostei da sua comparação com Alice no país das maravilhas só que macabro, isso definitivamente já aumentou minha vontade de ler. É bem difícil conciliar a vida pessoal, estudos e blog. Eu que não estudo já acho difícil, como você consegue? Hahah.
ResponderExcluirVirando Amor
Poxa vida, é super difícil, nem fala. :(
ExcluirOi, Tisa!
ResponderExcluirCurti muito o conto. Meio noiado, mas bem legal hahahah
Mirmã, e eu que ainda nem tenho tema pra monografia??? E eu tenho de me formar esse ano... Não tá fácil!
Beijos
Balaio de Babados
Porcelana - Financiamento Coletivo
É, ele é meio noiado mesmo hahaha
ExcluirNossa, então você deve estar ainda mais desesperada que eu!!! Ainda tenho três períodos para terminar, mas já estou a ponto de pirar.